Por José Renato Schmidt de Carvalho
Os solos são, de forma literal, a fundação da vida na terra. Eles estão em constante transformação por fenômenos físicos, químicos e biológicos ao longo de extensos períodos de tempo, o que chamamos de intemperismo. A ação biológica é de grande importância nessa transformação considerando seus potenciais efeitos para a silvicultura e agricultura, afetando a estrutura, química e fertilidade dos solos.
As interações que ocorrem no sistema solo - especialmente quanto a aspectos biológicos - apresentam grande complexidade, o que é um obstáculo para nós aproveitarmos de forma técnica os potenciais que têm a oferecer. A fim de estudar os organismos que atuam nele, podemos classificar sua diversidade de acordo com seu tamanho, grupo funcional, espécie, hábito de vida, metabolismo, etc.
Micróbios englobam as menores formas de vida no solo: vírus, bactérias, archaea, algas e alguns fungos. A microfauna já é composta por nematóides e protozoários. A mesofauna é um grupo bem diverso, mas inclui por exemplo ácaros, algumas larvas de insetos e os conhecidos como microartrópodes. A megafauna são os animais vertebrados, sejam silvestres ou domésticos.
A MACROFAUNA
A macrofauna é composta de animais invertebrados de 2 a 20 mm, incluindo minhocas, formigas, cupins, besouros, aracnídeos, lacraias e piolhos de cobra. Eles são de suma importância, pois modificam o solo ao se moverem por ele, de forma a aumentar a aeração, permeabilidade e criando galerias onde organismos menores vivem. Suas fezes também são um meio próspero à atividade e diversidade microbiótica.
Podem ser encontrados ou na superfície do solo (hábito epígeo) ou em subsuperfície (hábito edáfico), mas podem alternar entre os dois.
Não exclusivamente, contribuem para a ciclagem de nutrientes, transformação da matéria orgânica, manutenção da estrutura do solo (agregados biogênicos), como fontes de alimento na cadeia alimentar e têm um papel fundamental na incorporação da matéria orgânica e da dinâmica do carbono orgânico em profundidade.
GRUPOS FUNCIONAIS DA MACROFAUNA
Os grupos funcionais separam os animais de acordo com suas funções no ambiente. Para a macrofauna, as principais funções são:
Engenheiros do ecossistema → Modificam grandes massas de solo
Predadores → Regulam populações de outros animais ao se alimentarem deles
Transformadores de serapilheira → Fragmentam a serapilheira
Fitófagos → Alimentam-se de plantas
Detritívoros (ou saprófagos) → Alimentam-se de matéria orgânica em decomposição
Um animal não está restrito a somente uma função. Formigas, por exemplo, podem ser ao mesmo tempo engenheiros do ecossistema e fitófagas.
MINHOCAS
Minhocas são animais do filo annelida e compreendem pelo menos 6.000 espécies. Alimentam-se de matéria orgânica em decomposição (detritívoros), na superfície do solo ou no subsolo, facilitando sua incorporação. Minhocas transformam o ambiente ao consumirem e deslocarem grandes volumes de solo, afetando sua estrutura, teor de matéria orgânica e gerando ambientes propícios a microorganismos, por isso também são tidos como engenheiros do ecossistema.
Minhocas, em geral, são sempre um benefício ao cultivo, contribuindo para a porosidade do solo (bioporos). O solo modificado por minhocas recebe o nome de drilosfera, sendo composto por galerias, buracos e suas fezes (denominadas coprólitos). Elas também aumentam a taxa de crescimento das plantas, seja pela disponibilização de nutrientes ou pela emissão de moléculas que sinalizam a produção de fitohormônios pela própria planta.
FORMIGAS
Formigas são animais da família Formicidae e são compostas de mais de 20.000 espécies. São insetos eusociais e apresentam variadas estratégias para prosperarem, desde a predação ao cultivo dos chamados jardins de fungos, por meio das folhas que coletam. Por serem tão diversas, desempenham vários papéis nos ecossistemas como polinização, dispersão de sementes, proteção de plantas contra a herbivoria, além de servirem como fonte de alimento a outros animais.
Assim como as minhocas e cupins, as formigas são consideradas engenheiros do ecossistema. Seus ninhos podem chegar a até 7 m de profundidade em uma área de até 300 m², o que demonstra a escala do volume de solo que as formigas conseguem deslocar.
Formigas são reconhecidas pelos danos que causam devido a seu hábito fitófago. Apesar de apresentarem funções ecológicas muito importantes, é fato que algumas espécies devem ser controladas a fim de viabilizar plantios homogêneos de larga escala.
CUPINS
Cupins são insetos pertencentes à ordem Blattodea e compreendem pelo menos 2.900 espécies. Assim como as formigas, cupins são insetos eusociais e engenheiros do ecossistema.
Cupins se alimentam da celulose presente na matéria orgânica. Alguns consomem plantas vivas, outros a madeira ou a serapilheira e - novamente de modo similar às formigas - alguns também cultivam fungos. O hábito alimentar dos cupins está diretamente associado à microbiota intestinal que eles apresentam.
Alguns papéis ecológicos que os cupins desempenham incluem: transformação do carbono orgânico, ciclagem de nutrientes (contribuindo para liberação de amônio e nitrato) e estrutura do solo (influenciando positivamente a friabilidade e distribuição dos poros).
Considerando o hábito alimentar dos cupins predominantemente fitófago, muitas estratégias de controle foram propostas para a redução dos efeitos de cupins em sistemas agrícolas. Além do senso amplo pela redução do uso de inseticidas, pelo estilo de vida subterrâneo dos cupins, eles ficam bem protegidos de aspersões. Há uma demanda por formas alternativas de controle mais sustentáveis, como por exemplo pela antibiose, por meio de predadores naturais como fungos, ácaros, nematóides, etc.
PIOLHOS DE COBRA, LACRAIAS, INSETOS, ARANHAS E ISÓPODOS
Por fim, há outros membros da macrofauna como piolhos de cobra e lacraias (diplópodes), outros insetos, aranhas e isópodos (crustáceos achatados). Eles têm grande interação com o solo por formarem túneis, serem agentes detritívoros de matéria em decomposição, depositarem matéria orgânica em profundidade ou serem predadores de organismos menores.
Assim como as formigas e cupins, muitos insetos também têm importância econômica como pestes devido ao hábito alimentar de suas larvas (como besouros, moscas e mariposas).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de ser um grupo relativamente seleto de animais, a macrofauna do solo apresenta uma grande diversidade, grupos funcionais, espécies, nichos e tem grande influência sobre a fertilidade e dinâmica das movimentações de massas do solo e da inserção de carbono orgânico em profundidade.
É importante que, sempre ao analisar as relações estabelecidas entre o solo e os organismos que nele vivem, tentamos identificar quais grupos funcionais estão sendo exercidos.
Referências (acessadas em abril de 2023):
O texto foi desenvolvido baseado na apresentação da aluna de doutorado Beatriz Vanolli, do projeto SOHMA ESALQ.
O texto se baseia nas informações no livro:
FAO, ITPS, GSBI, CBD and EC. 2020. State of knowledge of soil biodiversity - Status, challenges and potentialities, Report 2020. Rome, FAO. https://doi.org/10.4060/cb1928en
Comments